Dessa vez não tenho nada a dizer, só me resta concordar em gênero número e grau! Afinal, como diz o texto o torturador é antes de tudo um covarde que precisa ser combatido, é por isso que é efetivamente necessário divulgar um texto como este.
Sobre a Tortura!
O que é a tortura? Como um ser humano pode conceber usar o corpo
de outro ser humano, que possui a mesma pele, a mesma boca, os mesmos
dentes, os mesmos ossos, os mesmos cabelos, os mesmos bilhões de
neurônios, para puni-lo com dor, desespero e medo?
A convenção das Nações Unidas, de 1984, contra a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, define a tortura
como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou
mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter,
dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por
ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja suspeita de ter
cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por
qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando
tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou
outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação”.
São muitos os que buscam atribuir a tortura à natureza humana,
como fazem com a guerra e outros crimes. Mas existe um enorme abismo
entre quem luta e o torturador. O guerreiro luta por uma causa. Está
sujeito a morrer por uma fonte de água, a carcaça de uma presa
recém-abatida, por sua mulher e seus filhos.
O combatente atávico que existe em cada um de nós sabe dos riscos
que corre, em defesa de suas circunstâncias, de suas ideias, de sua
condição. Pode morrer ou ser ferido em batalha.
O torturador se distingue pela ausência de riscos, de coragem. O
torturado sempre está desarmado, ou amarrado e indefeso, frente a ele. O
torturador brinca com o medo do outro, porque, dentro de si mesmo, não
consegue enfrentar e encarar o próprio medo. Ele é covarde por natureza,
é movido pelo mal e o sadismo, e por sua fraca e abjeta personalidade.
Ele não precisa de uma ideia, de uma razão.
“A finalidade do terror é o terror. O objetivo da opressão, a
opressão. A finalidade da tortura é a tortura. O objetivo da morte é a
morte. A finalidade do poder é o poder. Você está começando a me
entender?” explica, a um prisioneiro, um personagem de George Orwell, no
livro 1984. Os torturadores são, antes de tudo, psicopatas. Dependendo
do momento da história, irão torturar em nome de Deus, de uma bandeira,
um uniforme, uma ideologia, uma religião. Use a roupa que usar, ocupe
seja que cargo, o torturador não passa de criminoso vulgar.
Uma sociedade que abomina assassinos, ladrões, corruptos,
estupradores, não pode aceitar conviver, em seu seio, com torturadores.
Até mesmo porque o torturador quase sempre é, também, assassino, ladrão,
corrupto e estuprador.
A diferença entre a tortura e a lei é a mesma que existe entre a
barbárie e o progresso. Aceitar a tortura como inerente à condição
humana é o mesmo que negar que um povo, um Estado, uma nação, a
humanidade possam evoluir.
Dostoiévski dizia que a melhor forma de medir o grau de
civilização de um país era conhecer, por dentro, suas prisões. Nesse
aspecto, a situação no Brasil é vergonhosa. Não apenas com relação às
condições e superlotação de nossas cadeias, mas pela forma como nossa
sociedade convive com a tortura e o torturador.
O brasileiro médio é falso, hipócrita e leniente com relação à
tortura. As mesmas pessoas que se revoltam com o vídeo feito por uma
vizinha, mostrando uma mulher espancando um cachorrinho na área de
serviço, se regozijam quando veem um menino ou menina de 7, 8 anos –
morador de rua e muitas vezes, já dominado pelo crack – ser agarrado
pela orelha, e tomar uma surra de policiais ou seguranças. Param, a
caminho do trabalho, para deleitar-se.
O agente do Estado, no Brasil, formado em uma longa tradição
autoritária, que vem desde os capitães do mato, e dos diferentes hiatos
ditatoriais de nossa história, acha que tem direito de vida ou morte
sobre o suspeito. Isso está fartamente demonstrado não apenas nos
milhares de casos de mortes por “auto de resistência”, mas também pelo
que ocorre com os presos, muitos sem sequer terem passado por
julgamento, no interior de nossas prisões. O mesmo vale para o outro
lado da moeda.
Da mesma forma que um policial corrupto espanca, humilha e ameaça
matar a mãe ou a filha de um suspeito, para saber – em interesse
próprio – onde está escondido o produto de um assalto ou a droga
recém-chegada, a violência extrema tem sido praticada, também, pelas
novas gerações de marginais, que torturam e matam famílias, crianças e
idosos, para tentar saber onde está um punhado de reais. Como controlar
essa corrente de estupidez?
Um bom começo, do ponto de vista do Judiciário, seria perder o
pudor de usar a lei e condenar alguém pelo crime de tortura. Raramente
alguém que comete latrocínio com extrema violência tem a sua pena
acrescida por tortura. É como se condenar alguém por esse crime fosse
proibido, ou ela não existisse em nosso dicionário.
Nos portais e redes sociais ela nunca é citada por quem a
defende. Ninguém, referindo-se a um suspeito, escreve ou afirma “tem de
torturar esse cara”. Para que fique tudo mais íntimo e corriqueiro,
banalizado, usam-se expressões como “tá precisando é de couro”, “se
fosse meu filho, dava uma de criar bicho”, “comida de preso é paulada”,
“pendura que ele canta”, “tinha que cortar na borracha” e outras do
gênero.
A presidenta Dilma Roussef lançou, no último 12 de dezembro, o
Sistema Nacional de Enfrentamento à Tortura, que prevê a instalação de
um mecanismo autônomo que, por meio de peritos, terá autorização prévia
para entrar em penitenciárias, instalações militares, delegacias,
instituições de longa permanência de idosos, instituições de tratamento
de doenças psíquicas ou similares, para constatar a existência de
possíveis violações de direitos humanos nesses locais.
Trata-se de importante iniciativa, considerando-se que o Brasil é
signatário da Convenção Internacional Contra a Tortura desde 1989, e
que, em 500 anos de história, é a primeira vez que a Nação está
encarando, de forma direta, essa abominável questão.
Mas a verdadeira batalha não se dará apenas com a fiscalização do
que está ocorrendo nas prisões, que poderia avançar com a instalação de
delegacias de direitos humanos em todo o país. Ela será travada nos
corações e mentes da população brasileira.
Não podemos nos considerar civilizados enquanto milhares de
brasileiros defenderem a execução ilegal e a tortura como método de
punição e investigação. Não podemos nos considerar civilizados enquanto
juízes estabelecerem jurisprudência atribuindo à vítima de tortura o
ônus de provar que foi torturada. Esse paradigma, estabelecido na
ideologia escravocrata e repressora de parte considerável de nossa
sociedade, só poderá ser alterado a partir do ensino, em todas as
escolas, desde o primeiro grau, dos direitos e deveres consubstanciados
na Constituição brasileira, atendo-se estritamente ao seu conteúdo, para
não dar à direita fascista motivo para combater a iniciativa.
Só quando ensinarmos nossos filhos e netos que o mero ato de um
policial espancar um manifestante, em uma situação de protesto – ou
manifestantes espancarem um policial desarmado – é ilegal; que extrair
dor de outro homem, mulher, criança, indefeso, humilhando-os,
transformando-os, pelo medo, em animais -irracionais, que gritam,
sangram e choram, segundo a vontade de seu torturador, é crime abjeto e
condenável, poderemos começar a mudar, de fato, a mentalidade a
propósito da tortura, sua imagem e paradigmas, em nosso país..