Espero durante toda a minha vida fugir disto! Espero que em nenhum momento eu tenha medo das mudanças que são cotidianas a todos nós! Espero sempre poder me adaptar aos dias de hoje e compreender que estas mudanças trazem no tempo um bem estar maior para todas as pessoas. Apesar de muitos, confio e espero que o mundo se torne cada vez melhor e que as pessoas entendam e convivam com as diferenças que existem por aí! Espero mesmo ao envelhecer não me tornar um reacionário, desejo ser como meu pai que confiou a vida toda nas mudanças e tinha aos 80 anos um completo entendimento do mundo, do Brasil e de como as coisas funcionavam. A mudança é a normalidade, convivamos com ela! Por isto gostei e divulgo este texto de Matheus Pichonelli na Carta Capital.
O reacionário é, antes de tudo, um fraco. Um fraco que conserva ideias como quem coleciona tampinhas de refrigerante ou maços de cigarro – tudo o que consegue juntar mas só têm utilidade para ele. Nasce e cresce em extremos: ou da falta de atenção ou do excesso de cuidados. E vive com a certeza de que o mundo fora da bolha onde lacrou seu refúgio é um mundo de perigos, pronto para tirar dele o que acumulou em suposta dignidade.
Como tem medo de tudo, vive amargurado, lamentando que jamais
estenderam um tapete à sua passagem. Conserva uma vida medíocre, ele e
suas concepções e nojos do mundo que o cerca. Como tem medo, não anda na
rua com receio de alguém levar muito do pouco que tem (nem sempre o
reacionário é um quatrocentão). Por isso, só frequenta lugares em que se
sente seguro, onde ninguém vai ameaçar, desobedecer ou contradizer suas
verdades. Nem dizer que precisa relaxar, levar as coisas menos a sério
ou ver graça na leveza das coisas. O reacionário leva a sério a ideia de
que é um vencedor.
A maioria passou a vida toda tendo tudo aos alcance – da empregada
que esquentava o leite no copo favorito aos pais que viam uma obra de
arte em cada rabisco em folha de sulfite que ele fazia – e cultivou uma
dificuldade doentia em se ver num mundo de aptidões diversas. Outros
cresceram em meios menos abastados – e bastou angariar postos na escala
social para cuspir nos hábitos de colegas de velhos andares. Quem não
chegou aonde chegou – sozinho, frise-se – não merece respeito.
Rico, ex-pobre ou falidos, não importa: o reacionário clássico
enxerga em tudo o que é diferente um potencial de destruição. Por isso
se tranca e pede para não ser perturbado no próprio mundo. Porque tudo
perturba: o presidente da República quer seu voto e seus impostos; os
parlamentares querem fazê-lo de otário; os juízes estão doidos para
tirar seus direitos acumulados; a universidade é financiada (por ele,
lógico) para propagar ideias absurdas sobre ideais que despreza; o
vizinho está sempre de olho na sua esposa, em seu carro, em sua piscina.
Mesmo os cadeados, portões de aço, sistemas de monitoramento, paredes e
vidros anti-bala não angariam de todo a sua confiança. O mundo está
cheio de presidiários com indulto debaixo do braço para visitar
familiares e ameaçar os seus (porque os seus nunca vão presos, mesmo
quando botam fogo em índios, mendigos, prostitutas e ciclistas; índios,
mendigos, prostitutas e ciclistas estão aí para isso).
Como não conhece o mundo afora, a não ser pelas viagens programadas
em pacotes que garantem o translado até o hotel, e despreza as ideias
que não são suas (aquelas que recebeu de pronto dos pais e o ensinaram a
trabalhar, vencer e selecionar o que é útil e o que é supérfluo), tudo o
que é novo soa ameaçador. O mundo muda, mas ele não: ele não sabe que é
infeliz porque para ele só o que não é ele, e os seus, são lamentáveis.
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende, na marra, o
conceito de família. Às vezes vai à igreja e pede paz, amor, saúde aos
seus. Aos seus. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por
isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que
tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita. O índice de
infarto entre os reacionários é maior quando o filho traz uma camisa do
Che Guevara para casa ou a filha começa a ouvir axé e namorar o
vocalista da banda (se ele for negro o infarto é fulminante).
Mas a vida é repleta de frestas, e o tempo todo estamos testando as
mais firmes das convicções. Mas ele não quer testá-las: quer mantê-las.
Por isso as mudanças lhe causam urticárias.
Nos anos 70, vivia com medo dos hippies que ousavam dizer que o amor não precisava de amarras. Eram vagabundos e irresponsáveis, pensava ele, em sua sobriedade.
Depois vieram os punks, os excluídos de aglomerações urbanas
desajeitadas, os militantes a pedir o alargamento das liberdades civis e
sociais. Para o reacionário, nada daquilo fazia sentido, porque ninguém
estudou como ele, ninguém acumulou bens e verdades como ele e,
portanto, seria muito injusto que ele e o garçom (que ele adora chamar
de incompetente) tivessem o mesmo peso numa urna, o mesmo direito num
guichê de aeroporto, o mesmo lugar na fila do fast food.
Para não dividir espaços cativos, frutos de séculos de exclusão que
ele não reconhece, eleva o tom sobre tudo o que está errado. Sabendo de
seus medos e planos de papel, revistas, rádios, televisão, padres,
pastores e professores fazem a festa: basta colocar uma chamada
alarmista (“Por que você trabalha tanto e o País cresce tão pouco?”) ou
música de suspense nas cenas de violência (“descontrolada!”) na tevê
para que ele se trema todo e se prepare para o Armagedon. Como bicho
assustado, volta para a caixinha e fica mirabolando planos para garantir
mais segurança aos seus. Tudo o que vê, lê e ouve o convence de que
tudo é um perigo, tudo é decadente, tudo é importante, tudo é indigno.
Por isso não se deve medir esforços para defender suas conquistas morais
e materiais.
E ele só se sente seguro quando imagina que pode eliminar o outro.
Primeiro, pelo discurso. No começo, diz que não gosta desse povinho
que veio ao seu estado rico tirar espaço dos seus. Vive lembrando que
trabalha mais e paga mais impostos que a massa que agora agora quer
construir casas em seu bairro, frequentar os clubes e shoppings antes só
repletos de suas réplicas. Para ele, qualquer barbeiragem no trânsito é
coisa da maldita inclusão, aqueles bárbaros que hoje tiram carta de
habilitação e ainda penduram diplomas universitários nas paredes. No
tempo dele, sim, é que era bom: a escola pública funcionava (para ele), o
policial não se corrompia (sobre ele), o político não loteava a
administração (não com pessoas que não eram ele).
Há que se entender a dor do sujeito. Ele recebeu um mundo pronto, mas
que não estava acabado. E as coisas mudaram, apesar de seu esforço e
sua indignação.
Ele não sabe, mas basta ter dois neurônios para rebater com um sopro
qualquer ideia que ele tenha sobre os problemas e soluções para o mundo –
que está, mas ele não vê, muito além de um simples umbigo. Mas o
reacionário não ouve: os ignorantes são os outros: os gays que colocam
em risco a continuidade da espécie, as vagabundas que já não respeitam a
ordem dos pais e maridos, os estudantes que pedem a extensão de
direitos (e não sabem como é duro pegar na enxada), os maconheiros que
não estão necessariamente a fim de contribuir para o progresso da nação,
os sem-terra que não querem trabalhar, o governante que agora vem com
esse papo de distribuir esmola e combater preconceitos inexistentes
(“nada contra, mas eles que se livrem da própria herança”), os países
vizinhos que mandam rebas para emporcalhar suas ruas.
O mundo ideal, para o reacionário, é um mundo estático: no fundo, ele
não se importa em pagar impostos, desde que não o incomodem.
Como muitos não o levam a sério, os reacionários se agrupam. Lotam
restaurantes, condomínios e associações de bairro com seus pares, e
passam a praguejar contra tudo.
Quando as queixas não são mais suficientes, eles juntam as suas
solidões e ódio à coletividade (ironia) e passam a se interessar por
política. Juntos, eles identificam e escolhem os porta-vozes de suas
paúras em debates nacionais. Seus representantes, sabendo como agradar à
plateia, são eleitos como guardiões da moralidade. Sobem a tribunas
para condenar a devassidão, o aborto, a bebida alcoolica, a vida ao ar
livre, as roupas nas escolas. Às vezes são hilários, às vezes incomodam.
Mas, quando o reacionário se vê como uma voz inexpressiva entre os
grupos que deveriam representá-lo, bota para fora sua paranóia e
pragueja contra o sistema democrático (às vezes com o argumento de que o
sistema é antidemocrático). E se arma. Como o caldo cultural legitima
seu discurso e sua paranóia, ele passa a defender crimes para evitar
outros crimes – nos Estados Unidos, alvejam imigrantes na fronteira, na
Europa, arrebentam árabes e latinos, na Candelária, encomendam chacinas
e, em QGs anônimos, planejam ataques contra universitários de Brasília
que propagam imoralidades (leia mais AQUI).
O reacionário, no fim, não é patrimônio nacional: é um cidadão do
mundo. Seu nome é legião porque são muitos. Pode até ser fraco e viver
com medo de tudo. Mas nunca foi inofensivo.